sábado, 26 de janeiro de 2008

Questão de hábito

A mudança de atitudes cotidianas que prejudicam o ambiente não acompanha nossa conscientização sobre elas, mas os jovens têm mais facilidade para dar essa virada

Por Karina Yamamoto
Publicação Samir Raoni

Gastar menos água, diminuir a quantidade de lixo, consumir com consciência – essas mensagens, há tanto marteladas pelos ambientalistas, já se incorporaram ao nosso repertório daquelas que são consideradas ações corretas. No entanto, a mudança de comportamento que elas exigem ainda é tímida. Por quê? Segundo especialistas, em pedagogia e em ambientalismo, é preciso ter disposição para vencer esse caminho – curto, mas muitas vezes custoso – entre a consciência da necessidade de novos hábitos e a efetiva mudança de comportamento. Mudança que é decisiva quando se trata de preservar o meio ambiente e melhorar nossa qualidade de vida. De fato, a pesquisa nacional “O que Pensam os Brasileiros sobre Meio Ambiente, Desenvolvimento e Sustentabilidade?”, realizada em 2006 pelo Instituto de Estudos da Religião e o Ministério do Meio Ambiente, em conjunto com o instituto Vox Populi, já indicava: “O crescimento da consciência – espantoso e animador – não é acompanhado na mesma medida de comportamentos que indiquem mudanças significativas de hábitos e atitudes”. Mas a dificuldade de mudar não é partilhada uniformemente pelo conjunto da sociedade. Existe uma importante parcela da população sensível a essa virada de atitude: as crianças e os jovens. “Eles têm uma prontidão maior, uma vez que seus hábitos ainda não estão consolidados”, diz Rose Marie Inojosa, membro da Rede Gandhi, uma associação de profissionais e interessados em difundir a cultura de paz entre os agentes promotores de saúde. “Na campanha contra a epidemia da dengue, em 2001, avaliamos que a ação dos pequenos e jovens fiscais nas casas foi essencial para o sucesso da empreitada da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo”, diz Rose. A assistente da área de Mobilização Social da ONG Akatu, que difunde o consumo consciente, Raquel Diniz, engrossa o coro: “Os jovens são fundamentais para o nosso trabalho”. Este ano, a entidade formalizou sua parceria com a Universidade Estadual de Campinas, em São Paulo, para a realização do maior “trote” social do país, com a participação de cerca de dois mil calouros de 30 diferentes cursos. “Se sensibilizarmos o aluno quando ele está chegando na universidade, temos uma grande chance de que o profissional que sair de lá estará mais envolvido com a questão ambiental”.
Do pensamento à ação Para alguns pedagogos, uma das questões centrais do campo da educação – como conseguir que os alunos ou filhos adotem comportamentos sugeridos por pais e professores – pode ter grande impulso por meio de estratégias baseadas na chamada psicologia do compromisso. “Não é à toa que ela recebeu esse nome: estamos assumindo um contrato como educadores e convidamos os jovens a fazerem o mesmo”, diz Angela Maria de Oliveira Almeida, coordenadora do Laboratório de Psicologia Social do Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UnB). Partindo da idéia de “obter sem impor”, a pedagogia do compromisso tem como objetivo não apenas chegar a um resultado, mas fazer com que os agentes dessa mudança de comportamento tenham consciência do que estão fazendo e sejam comprometidos com esse outro jeito de agir. Há mais de 60 anos no campo de pesquisa de psicólogos e educadores, essas estratégias agora vêm sendo usadas com mais freqüência, uma vez que as técnicas se popularizaram, principalmente na Europa. Mas como não banalizar a técnica, confundindo conscientização para mudança de comportamento com manipulação pura e simples? “Na Europa, um autor como Robert Vincent Joule é um best-seller, mas como um manual de marketing”, diz a professora Angela. Para que isso não aconteça, ela faz questão de reforçar a importância da transparência dos objetivos do educador no momento de aplicar as técnicas. “O educador tem de explicitar a proposta. E cada indivíduo será o sujeito do contrato”, diz. Ou seja, ao tentar difundir mudanças de hábito, como fechar a torneira enquanto se escova os dentes, é preciso, sim, um discurso sobre a problemática da água e a urgência em deixar de desperdiçá-la. E quando se trata de jovens, o compromisso é ainda maior, pois é preciso dar a eles a oportunidade de discutir e questionar o que se propõe, um exercício vital para a formação de cidadãos.
Pouco para começarOs adeptos da pedagogia do compromisso lançam mão de uma técnica chamada de “primeiro passo”, elaborada em 1966 por uma dupla de pesquisadores americanos, Jonathan Freedman e Simon Fraser. Ela consiste em pedir, num primeiro momento, uma atitude simples, pouco custosa. E, só depois de obter essa pequena concessão, sugerir a mudança pretendida desde o início, ou seja, o comportamento esperado. Em uma de suas pesquisas para testar suas hipóteses, os dois estudiosos pediram a um grupo de donas de casa um pouco do seu tempo para responder a uma enquete sobre hábitos de consumo por telefone, antes de enviar um grupo de entrevistadores que iriam pedir para olhar armários e gavetas. O número de mulheres que aceitaram ter sua casa investigada foi duas vezes maior entre o grupo daquelas que já haviam respondido às questões por telefone. Na prática, os educadores usam muito essa técnica. Apesar de desconhecer a pedagogia do compromisso, Raquel Diniz, do Akatu, usa a mesma tática: “Depois de mostrar a relevância da questão do consumo consciente e da interdependência dos seres, partimos para a comprovação, por meio de cálculos emblemáticos que mostram como pequenos atos impactam o ambiente pelo acúmulo no decorrer do tempo”. Exemplo: cada latinha de alumínio que você manda para a reciclagem economiza energia elétrica para manter uma lâmpada de 100W acesa por 3,5 horas. O físico Gilson Coutinho Jr. também prefere começar a disseminar valores ecológicos de maneira mais branda. Professor aposentado da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), ele trabalhou nos últimos cinco anos no Centro de Estudos Ambientais, no campus de Rio Claro. “A conscientização é essencial. Se o público não quiser se preocupar com a humanidade, peço que pensem em seus filhos e netos”, diz o experiente educador. Engajado no programa Escola da Família, em que as instalações das escolas estaduais ficam à disposição da comunidade nos finais de semana, Gilson ajudou a confeccionar um pequeno equipamento para fazer sabão. E passou a pedir para que as donas de casa guardassem o óleo de cozinha que seria descartado para a produção do sabão caseiro. “Todo mundo se interessa pelo produto, mas aprende também que não é bom poluir as águas com aquele óleo que seria descartado”. Agora, ele e seus companheiros querem implantar um sistema de coleta de água da chuva na mesma escola. “Mas antes vamos fazer alguns cálculos para mostrar o impacto financeiro e, assim, reforçar a argumentação.”