quarta-feira, 31 de outubro de 2007

ALIANÇA NA FLORESTA

Por Liana Melo

Publicação Samir Raoni


A natureza é exuberante e generosa em Mamirauá, que integra a maior área de floresta inundada e preservada do planeta, no interior do Amazonas. A população da região, no entanto, até poucos anos atrás vivia uma vida de privações, refletida em indicadores socioeconômicos preocupantes, como uma taxa de analfabetismo de 31% entre os maiores de 15 anos. Foi a ação de um grupo de pesquisadores, em convívio com as comunidades locais – em que 48% dos habitantes são jovens –, que mudou a situação. Ali o conhecimento científico e o saber da comunidade produziram uma experiência que virou referência mundial: o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, um núcleo de excelência em manejo de recursos naturais e um modelo para outros países no desafio de aliar a conservação da natureza ao desenvolvimento humano, oferecendo perspectivas a uma população predominantemente jovem.
Tudo começou com um pequeno macaco de coloração cinzento-esbranquecida e cabeça vermelha, o uacari-branco. Original das florestas inundadas da Amazônia Central, o primata chamou a atenção do biólogo paranaense José Márcio Ayres, que desembarcou na região nos anos 1980 para estudar a espécie e saiu de lá com uma tese de doutorado, defendida na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que denunciava a ameaça de extinção desse primata de Mamirauá, ao norte do rio Solimões.
Diante da ameaça à biodiversidade local e da necessidade de salvar da extinção o uacari-branco, o cientista decretou guerra aos exploradores. Os nativos entraram na briga e ambos conquistaram, em 1990, um sonho: a criação da Estação Ecológica Mamirauá. A área de 1,1 milhão de hectares entrou para a história como a primeira reserva de desenvolvimento sustentável do Brasil, uma experiência inédita e até então não prevista na legislação brasileira. É que a estratégia de conservação considerava que as populações tradicionais seriam as únicas beneficiárias dos recursos naturais, além de deterem o poder de decisão sobre o manejo dos recursos.
A parceria entre conhecimento científico e saber ribeirinho ganhou força. Em 1998, a experiência da reserva Mamirauá foi replicada na vizinha Amanã. São ao todo 3,4 milhões de hectares preservados. Junto com o Parque Nacional do Jaú, passaram a formar a maior área de floresta tropical protegida do mundo. O passo seguinte foi a criação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), que conta hoje com o apoio do poder público, de centros de pesquisa, universidades, organismos internacionais e empresas privadas para o desenvolvimento de projetos de sustentabilidade que beneficiam principalmente os jovens da região.

Gestão Sustentável
Cerca de oito mil pessoas vivem nas duas reservas, distribuídas por 41 comunidades em Amanã e outras 45, em Mamirauá. É uma população predominantemente jovem, como Suleima Queiroz, 19 anos. Nascida e criada em Vila Nova do Coraci, em Amanã, ela já faz parte de uma geração consciente da necessidade de preservação dos imensos recursos naturais de que é herdeira. “Sonho em fazer faculdade e depois voltar para a minha comunidade”, diz a jovem. Cursando o ensino fundamental em Tefé – cidade onde fica a sede do IDSM, Suleima ganhou uma bolsa de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Amazônia (Fapeam).
Artesã, a jovem foi uma das que lutaram para que os suportes de mesa tradicionalmente conhecidos como ‘jogos americanos’ fossem rebatizados, na região, com o nome de ‘jogos de mesa Amanã’. Não seria um mero jogo de palavras? Não no caso específico. As comunidades das duas reservas conseguiram, na última década, dar um salto histórico partindo do extrativismo para o manejo das várzeas. O IDSM tem um convênio com o Instituto de Proteção Ambiental da Amazônia, em que desenvolve um projeto de gestão sustentável compartilhada. Os indicadores de resultados são expressivos. A mortalidade infantil caiu de 86 por mil para 27 por mil. O analfabetismo não foi erradicado, mas parou de crescer. Seis comunidades já contam com programas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), o que possibilita a continuidade dos estudos da 5ª à 8ª série.
O ensino hoje é um direito garantido aos jovens da região em 27 escolas flutuantes espalhadas por Amanã e Mamirauá, que integram o Programa Esso-Mamirauá de Educação Ambiental, financiado pela Esso Brasileira de Petróleo. O programa inclui um grupo de Arte Educação que trabalha com jovens entre 14 e 20 anos, protagonistas de peças teatrais com temas correlatos ao meio ambiente – como o “O Capitão Limpeza contra a abominável Mulher do Lixo”–, encenadas em praças públicas e nas reservas. E a juventude também está à frente de um programa de rádio, o “Ligado no Mamirauá”, que aborda educação ambiental, educação para a saúde e cidadania. A cada 15 dias, uma balsa percorre as comunidades ribeirinhas para recolher as matérias escritas por jovens caboclos. O programa vai ao ar duas vezes por semana. “Meu sonho é ser jornalista”, diz Cleuziomar da Silva, 19 anos, um dos 60 comunicadores nativos responsáveis pelo conteúdo veiculado na rádio. “Hoje, já temos também um jornal impresso, o ‘Comunicador’, que está na sua 11ª edição”, informa Cleuziomar.

Sabedoria do pirarucu
Na atuação juvenil no teatro, na rádio ou no jornal impresso, um tema recorrente é o pirarucu, peixe típico da região que sempre foi alvo da pesca predatória e hoje é exemplo do manejo comunitário que garante não só a sobrevivência da espécie, mas também a dos ribeirinhos. Só eles podem levar o pirarucu à mesa. Ainda assim, não podem pescá-lo durante o defeso, período reprodutivo da espécie que vai de dezembro a maio. No resto do ano, só os peixes adultos, machos ou fêmeas, podem ser pescados. Mas como diferenciá-los dos filhotes? “Os ribeirinhos são sábios”, diz Sandro Augusto Gatiere, paulista e educador ambiental na região. Ainda pequenos, os caboclos aprendem o que as pessoas da cidade grande só vão conhecer muito tempo depois. O pirarucu precisa subir à tona para respirar, em intervalos de tempo regulares. A cada vez que faz isso, ele mostra seu dorso ou realiza ‘boiadas’, como chamam os ribeirinhos. Um único segundo de observação é suficiente para o nativo diferenciar o peixe filhote do adulto. “De longe, eles identificam o tamanho, o sexo e o peso”, atesta Sandro.
Conhecimentos como esse são aproveitados pelos pesquisadores do IDSM para melhorar a vida da população local, sem deteriorar o meio ambiente. A técnica de manejo estendeu-se por todas as atividades econômicas. Da pesca à agricultura familiar, passando pelo manejo da madeira, os recursos naturais são explorados de forma a assegurar a produção contínua e a subsistência das comunidades. Um censo econômico local aplicado pelo IDSM concluiu que a renda média anual pulou de R$ 900, em 1995, para R$ 10.000, em 2006. A atenção da ciência à sabedoria popular, em parceria com a juventude, rende bons resultados econômicos sem agredir a natureza.

sábado, 27 de outubro de 2007

NATUREZAS DIVERSAS

Quatro iniciativas refletem a variedade de ações ecológicas

Por Marcelo Barreto

re-edição Samir Raoni

De onde surge a motivação para um projeto socioambiental envolvendo jovens? A diversidade de práticas mostra que ela pode estar em qualquer um dos elementos da natureza. Da água, veio a inspiração para um grupo de universitários de Sergipe. Em 2003, Ano Internacional da Água Doce, eles criaram o Cepecs - Centro de Pesquisas e Estudos Científicos e Sociais. Da terra, ou da defesa de um pedaço dela, nasceu o Grude (Grupo de Defesa Ecológica), do Rio de Janeiro. Do fogo do sol, que queima o chão do Nordeste brasileiro, surgiu a necessidade de jovens cearenses e piauienses de encontrar uma fonte de renda sem depredar a reserva onde vivem. E pelo ar veio a notícia de que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) precisava de um parceiro para trazer ao Brasil a bem-sucedida iniciativa do GEO Juvenil. O Grupo Interagir, de Brasília, abraçou a oportunidade.
São quatro histórias de conquistas, mas também de dificuldades. Mateus Fernandes, coordenador nacional do GEO Juvenil Brasil, destaca a dificuldade de realizar a última etapa do projeto: transformar o relatório em livro. No premiado Projeto Natureza Jovem – Protetores da Serra, as conquistas não se contam em números impressionantes, mas caso a caso. “Cinco jovens foram aprovados no vestibular e um deles se empregou numa rádio-escola”, festeja Marcela Saldanha, bióloga da Associação Caatinga.
É também de grão em grão que o Grude vai aumentando sua rede de agentes socioambientais. “Recebemos dois ou três pedidos por dia de uma cartilha de formação que enviamos por e-mail”, conta o diretor-adjunto Sérgio May. E às vezes nem é preciso olhar para fora para enxergar as conquistas. “Nosso resultado também é avaliado pela mudança provocada nos próprios jovens do movimento”, diz Carlos Eduardo Silva, diretor administrativo do Cepecs Brasil.
Veja a seguir mais detalhes dos projetos.

Projeto Natureza Jovem, da Associação Caatinga – Ceará e Piauí
Quando se fala em brinquedo de papel machê, é mais fácil se lembrar de uma música de João Bosco (com letra de Capinam) do que pensar num projeto socioambiental. Mas foi na técnica artesanal que inspirou o poeta que o Projeto Natureza Jovem – Protetores da Serra encontrou uma maneira de aumentar a auto-estima e as possibilidades de geração de renda de 75 jovens das comunidades de Tucuns, Barro Vermelho, Poty e Ibiapaba (em Crateús, Ceará) e Jatobá (na vizinha Buriti dos Montes, Piauí), todas localizadas na área da reserva natural de Serra das Almas.
As flores de papel machê foram tema de um curso de capacitação oferecido em parceria com o Sebrae e, por sugestão dos próprios jovens, se transformou numa iniciativa econômica local. “Eles não tinham perspectiva de emprego. Agora, estão cadastrados pela Secretaria de Artesanato do Ceará e expõem seus trabalhos em Fortaleza”, conta Marcela Saldanha, da Associação Caatinga. Mas este foi apenas um dos cursos oferecidos pelo projeto, na tentativa de abrir um mercado de trabalho com base nas possibilidades oferecidas pela reserva: educação ambiental, viveiro florestal, condutores de trilhas ecológicas e até informática.
Mais de 130 jovens já cursaram também 85 oficinas, com temas como meio ambiente, biodiversidade da caatinga, lixo e reciclagem, teatro, pluralidade cultural e elaboração de projetos. O sucesso levou à conquista do Prêmio Von Martius pela Associação Caatinga, que já planeja estender o projeto a mais seis comunidades.

Centro de Pesquisas e Estudos Científicos e Sociais - Sergipe
O Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março de 2003, era a gota que faltava para fazer transbordar o desejo de ação social de nove universitários de Sergipe. Três dias depois, eles se reuniam para idealizar o Cepecs (Centro de Pesquisas e Estudos Científicos e Sociais). Uma das primeiras realizações foi a I Semana do Terceiro Setor de Sergipe, seguida de outras ações locais.
Os debates sobre as Políticas Públicas de Juventude, no ano seguinte, levaram o Cepecs a se espalhar pelo Brasil. “Já atuamos em nove estados”, diz o diretor Carlos Eduardo Silva, um dos fundadores do Cepecs, que em 2005 já reunia 90 jovens num congresso nacional de empreendimentos sociais sustentáveis. “Ao fim de cada ano, repensamos nossa missão e nossa visão. Agora, decidimos fortalecer nossa atuação local”. Hoje, o Cepecs está envolvido no zoneamento socioambiental de Sergipe, com unidades operacionais para atuação junto às comunidades em seis áreas.
O grupo também se empenha na capacitação da juventude socioambientalista e investe na articulação socioambiental, participando de conselhos que debatem questões antes restritas aos adultos. “Eles ainda estranham a presença dos jovens nos conselhos. Mas estamos ocupando o nosso espaço”, diz Carlos Eduardo. A realização mais recente foi o I Fórum Nordestino de Ecoturismo, para debater o papel dessa modalidade de turismo no combate à desertificação do Nordeste. Foi mais um passo num caminho que virou lema do Cepecs: construir sociedades sustentáveis.

Projeto Agente Jovem, do Grude – Grupo de Defesa Ecológica – Rio de Janeiro
Em 1986, um grupo de amigos de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, se reuniu para lutar pelo aproveitamento de uma área verde num terreno que pertencia a construtoras imobiliárias. Dessa semente brotaram dois frutos: a área se transformou no Bosque da Freguesia e os amigos continuaram se reunindo, dando origem ao Grude (Grupo de Defesa Ecológica). Nesses 20 anos de atividade, o Grude desenvolveu dezenas de projetos.
Um dos mais recentes, o Projeto Agente Jovem, investiu na educação socioambiental de 475 jovens de 19 comunidades atendidas pelo Favela-Bairro, um programa de revitalização urbana da prefeitura. “Muitas comunidades eram dominadas pelo tráfico. Quando se envolviam no projeto, os jovens se sentiam importantes, não mais por terem uma arma na cintura, mas porque sentiam que o trabalho tinha valor para a comunidade”, conta Sérgio May, diretor-adjunto do Grude. “Com o tempo, fomos nos profissionalizando e nos tornamos uma referência. Chegamos a atender mil jovens por ano”, conta.
Hoje, o grupo se dedica também à capacitação de professores na área do Parque Estadual da Pedra Branca, o maior parque urbano do mundo. O objetivo é semelhante ao do Agente Jovem, embora o público seja diferente: investir na formação de agentes ambientais. Tanto os jovens das comunidades atendidas pelo Favela-Bairro quanto os professores da área do parque (que atendem cerca de 600 alunos) ganham uma capacitação que depois fica com eles, a serviço da população local.

Geo Juvenil - Nacional

Em 1995, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), criou um conjunto de relatórios batizado de GEO, sigla em inglês para Perspectivas do Meio Ambiente Global. A participação dos jovens no processo de construção do informe foi tão intensa que fez surgir o GEO Juvenil, publicação-referência com impressões, dados, análises, metodologias e fazeres políticos.
Um exemplo perfeito de protagonismo juvenil, que passou por Argentina, México, Peru e Uruguai antes de chegar ao Brasil, sob a responsabilidade de membros do Grupo Interagir, organização de jovens sediada em Brasília e que se dedica também à causa ambiental. “Desde a realização da Eco-92, temos uma qualidade diferente no movimento ambiental brasileiro”, diz Mateus Fernandes, coordenador nacional do GEO Juvenil Brasil. “Sem menosprezar o que foi feito em outros países, a publicação brasileira tinha de ser diferente”. A versão brasileira tem 260 páginas, mais do que o dobro das publicações latinas.
O projeto teve seis fases: passou pela estruturação, pela formação de jovens focais (responsáveis por percorrer o Brasil colhendo impressões ambientais em áreas rurais e urbanas), pelas atividades nos estados, pela criação artística, pela reunião editorial. “O trabalho dos 60 jovens focais sensibilizou mais de 15 mil pessoas”, diz Mateus. “As quatro mil impressões levantadas no trabalho já estão registradas em CD-ROM e precisam também passar para o papel”, diz Mateus.

sábado, 20 de outubro de 2007

Revista: Onda Jovem Tema: Meio Ambiente


Mestres de ação: Iniciativas que deram certo

Educação Ambiental


Conheça os esforços de três educadoras para conscientizar os jovens sobre a preservação dos ambientes humanos e naturais. A professora Regina Viegas (foto) orientou seu trabalho de cidadania ambiental a partir de pesquisa com os alunos
Yuri Vasconcelos
A paulistana Nícia Wendel de Magalhães, de 75 anos, a maranhense Luiza Pereira da Silva, de 35 anos, nascida no pequeno município de Fortuna, e a carioca Regina Viegas, de 38 anos, são três brasileiras que dividem uma mesma vocação: a educação ambiental. Elas nunca estiveram em contato, mas suas trajetórias profissionais têm muito em comum. As três são educadoras e, cada uma a seu modo, se dedicam a iniciativas que ajudam a melhorar o nível do ensino brasileiro e a conscientizar os jovens sobre a importância de se respeitarem e preservarem os ambientes humanos e naturais.
Formada nos anos 1950 em História Natural pela Universidade de São Paulo (USP), Nícia é uma das pioneiras paulistas no chamado estudo do meio. Durante muito tempo, lecionou em escolas públicas do Estado e por suas mãos passaram alunos que depois se notabilizariam como ambientalistas de primeira grandeza, como Fábio Feldman, que foi Secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, e o biólogo João Paulo Capobianco, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente. A pedagoga orgulha-se também de ter criado, em 1975, e dirigido o primeiro parque ecológico paulista, em uma área anexa à Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “Foi uma iniciativa pioneira, na qual me envolvi com questões proibidas durante o regime militar, como conservação de flora e fauna e educação ambiental”, relembra.
No início dos anos 1980, de volta a São Paulo, Nícia fundou, com um grupo de amigos, professores e outros profissionais da área ambiental, a ECO – Associação para Estudos do Meio Ambiente, uma das mais antigas ONGs brasileiras, especializada em educação ambiental. “Estávamos cientes da importância de desenvolver atividades de lazer e de conscientização baseadas em informações consistentes e no contato com ambientes naturais, utilizando-se de viagens educativas e estudos voltados ao público estudantil”, diz a educadora.
Essa concepção – de levar os jovens a campo, para conhecer a natureza de perto –, acredita Nícia, está na base do sucesso de qualquer iniciativa de educação ambiental. “É fundamental mostrar as coisas como elas são. Não adianta o professor dar uma aula maravilhosa no quadro-negro. É preciso levar o aluno à praça do bairro e mostrar a ele como a planta consegue os nutrientes do solo e os demais mecanismos da natureza”, diz a ambientalista, que atualmente está envolvida com um projeto de conservação de psitacídeos (grupo de aves que inclui as araras e os papagaios) no Parque Estadual de Jacupiranga, na região sul de São Paulo.
“Essa é uma das regiões mais preservadas do Estado, com uma grande mancha de Mata Atlântica. Mas, infelizmente, a caça ilegal está ameaçando de extinção o papagaio-de-peito-roxo”, diz Nícia. Uma das atividades realizadas no parque, sob coordenação da ECO, consiste em conscientizar a população sobre os prejuízos do comércio ilegal de animais silvestres. “Jovens da região estão atuando como auxiliares no trato das aves e nos trabalhos de conservação ambiental. O projeto prevê o envolvimento da comunidade local, incluindo a população escolar”, diz a incansável mestra.

Cidadania ambiental

No Rio de Janeiro, outra defensora da conscientização juvenil em relação ao ambiente é a professora de Geografia Regina Viegas, do Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET) Celso Suckow da Fonseca. Tanto que ela foi em busca de um diagnóstico mais preciso que permitisse um trabalho efetivo com os alunos. Preocupada com a visão que seus alunos tinham da problemática ambiental, ela associou-se ao pesquisador Roosevelt Fernandes, do Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental da Faculdade Brasileira de Vitória, no Espírito Santo, e elaborou uma pesquisa intitulada Avaliação do Perfil de Cidadania Ambiental de Estudantes do Ensino Médio-Técnico do CEFET-RJ. “Trabalho com educação ambiental há 13 anos e verifico certa desmotivação dos jovens com relação ao assunto. Resolvi elaborar esse trabalho para avaliar em que estágio se encontra a cidadania ambiental desses jovens”, diz.
Foram aplicados questionários cobrindo quase a totalidade dos alunos concluintes do CEFET em 2005. Depois de tabulados, os resultados revelaram alguns dados preocupantes. Chamou a atenção da pesquisadora o fato de apenas 18% dos alunos afirmarem que os temas relativos ao ambiente vêm sendo tratados com freqüência nas escolas. Para piorar, 90% admitem que o assunto também não faz parte da pauta das discussões familiares. Outro indicador revelador do desinteresse e da desinformação dos alunos, em sua maioria pertencentes à classe média e oriundos de escolas de bom nível, é o elevado índice (75%) dos que não têm hábito de acessar sites ligados à questão ambiental. Ao mesmo tempo, 73% afirmaram não acreditar que iniciativas isoladas de um cidadão possam modificar a continuidade de uma ação prejudicial ao meio ambiente.
Segundo a educadora, os resultados do trabalho comprovaram o que muitos já sabiam: a inclusão efetiva da educação ambiental no currículo é urgente. “No mundo em que vivemos, é impossível que os jovens não conheçam os problemas ambientais e não saibam atuar sobre eles. Não é apenas uma questão de mercado de trabalho ou simples informação. Trata-se de uma questão de cidadania, de formação de valores e, até mesmo, de inclusão social”, defende. A partir da pesquisa, diz Regina, será possível mapear ações específicas complementares de educação ambiental que possam direcionar e ampliar a visão socioambiental dos jovens em relação ao seu dia-a-dia profissional e pessoal


Cuidados com a Amazônia

Assim como as colegas do Sudeste, a professora Luiza Pereira da Silva também está envolvida no seu dia-a-dia com o desafio de melhorar o ensino brasileiro e mostrar aos jovens a importância da preservação ambiental. Ela leciona na Escola Bosque Professor Eidorf Moreira, um centro de referência em educação ambiental localizado na ilha da Caratateua (também conhecida como Outeiro), a 22 quilômetros de Belém. No ano passado, ela foi uma das educadoras premiadas pelo Ministério da Educação pelo trabalho em favor do ensino médio. “Tudo começou no segundo semestre de 2005, quando passei a coordenar os cursos do ensino médio noturno e a educação de jovens e adultos da escola. Fizemos uma avaliação e detectamos um alto índice de evasão, superior a 50%”, diz Luiza.
A professora não se abateu com o que viu. Ao contrário, arregaçou as mangas e criou um programa, denominado Projeto Curupira, com o objetivo de trazer os alunos de volta à sala de aula. “Na avaliação, eles disseram que tinham de abandonar a escola para trabalhar. Com isso, dividimos o projeto em três eixos: formação profissional, organização curricular por projetos interdisciplinares e formação e resgate cultural”, diz a educadora. No fim de 2005, o Curupira foi escolhido pelo MEC como um dos dez projetos nacionais de destaque no incentivo de melhoria do ensino médio. “Ganhamos 140 mil reais para colocá-lo em prática. O trabalho foi iniciado no começo de 2006 e os resultados têm sido ótimos. A evasão escolar já caiu pela metade.”
Várias oficinas profissionalizantes e culturais foram implantadas, sendo que algumas têm o objetivo de gerar renda para os alunos. E a educação ambiental, onde entra? Simples: nas atividades, os alunos trabalham com recursos naturais da região, como na oficina de confecção de bijuterias, que usa sementes de frutos e plantas da Amazônia, como açaí, bacaba, jupati, caranã e tucumã, além de cascas de coco, bambu e madeira. O mesmo acontece com a oficina de confecção de instrumentos musicais, que deu origem a um grupo de percussão formado por 12 alunos, e de grafismo em cuias, que são utilizadas para servir o tacacá, comida típica do Pará.
“Na coleta de recursos da floresta, falamos da importância da preservação”, diz Luiza. “Além disso, a questão ambiental é trabalhada de modo transversal em todas as disciplinas dos cursos”. Um exemplo disso é o projeto voltado ao estudo do espaço urbano da ilha de Caratateua. “No tema ‘Posse e Propriedade’, discutimos com os alunos o processo de ocupação desordenada da ilha. Queremos que eles reflitam sobre as conseqüências das invasões para o meio ambiente, uma vez que provocam a destruição das florestas e causam impactos nos igarapés”, diz a pedagoga. O esforço tem valido a pena. “O trabalho tem ajudado no resgate da auto-estima dos jovens e deu uma oxigenada no ensino noturno do colégio.”
Matéria publicada Março 2007